O ritual repete-se há 133 anos:
alguns dos homens mais poderosos dos Estados Unidos juntam-se numa floresta de
sequóias, na Califórnia, e sem inibições bebem cerveja e urinam nos troncos das
árvores centenárias. O encontro chama-se Bohemian Grove e, durante duas semanas
de Julho, junta os membros do mais exclusivo clube privado de homens do mundo,
o Bohemian, e alguns convidados ilustres. O pouco que se sabe sobre o que lá se
passa é resultado de raras indiscrições.
Cerca de 2.500 homens – há
Presidentes dos Estados Unidos, executivos de petrolíferas e empresas militares
e milionários – ocupam as cabanas de madeira espalhadas pelos 1.100 hectares de
uma propriedade privada a 120 quilómetros de São Francisco. São na
maioria brancos, conservadores e protestantes e à chegada recebem o programa do
encontro: há peças de teatro, grandes jantares e palestras. Mas não se fala
apenas de futilidades: foi aqui que, em 1942, nasceu o Projecto Manhattan, que
construiu a bomba atómica.
Em 2008, o último ano da
presidência de George W. Bush, os temas eram sombrios – América, Temos um Problema;
O Futuro Não é o Que Costumava Ser.
Antes das palestras, há uma
grande cerimónia, a Cremação da Preocupação. Os bohos, como se chamam uns aos
outros, sentam-se no relvado junto a um lago artificial. À frente há um palco e
a estátua de uma coruja – o símbolo do clube – com 12 metros de altura. Ao
som de música apoteótica surgem homens vestidos com hábitos vermelhos a
carregar um caixão. Lá dentro, segue um boneco de trapos, a Preocupação, que
depois de ser exorcizado no altar junto à coruja é colocado num barco ao qual é
lançado fogo. A cerimónia (descrita por um jornalista da 'Vanity Fair' que se
infiltrou e que já foi filmada com câmara oculta) pretende dizer aos convidados
que esqueçam os problemas e se divirtam.
O acampamento está dividido em
campos para cada um dos grupos do clube. Antes de ser Presidente dos EUA,
George W. Bush entrou no Hillbillies (rústicos, em português), que junta empresários
do Texas, banqueiros e académicos. Os milionários Rockefeller estão no Stowaway
(clandestinos, em português), com presidentes de petrolíferas.
Os ex-Presidentes dos EUA – todos
os Presidentes republicanos desde 1923 – vão para o Owl’s Nest (ninho da
coruja). Cada grupo organiza festas com música ao vivo, prostitutas angariadas
em bares locais e actores porno (em 2004, uma estrela do cinema pornográfico
foi contratada como empregado).
Uma das noites é reservada ao
Jantar em Círculo, em que todos os convidados comem juntos ao ar livre e há
sempre muita cerveja e vinho disponíveis – por isso se tornou uma tradição
urinar para o tronco das árvores. Foi aliás este o argumento apresentado pelo
clube para responder a um tribunal que, em 1986, exigiu que contratassem
mulheres. A presença delas está restringida à cozinha do restaurante principal.
No último fim-de-semana é
encenado um musical grandioso, com orquestra e cenografia e figurinos
produzidos por profissionais. Cerca de 300 membros entram no espectáculo,
muitos vestidos de mulher. “É a coisa mais maricas que se possa imaginar”,
afirmou nos anos 70 o Presidente Richard Nixon – a frase está numa das
gravações da Sala Oval.
O acampamento começou em 1878
quando um dos fundadores do clube, o actor Henry Edwards, se mudou para Nova
Iorque e os amigos lhe organizaram uma festa de despedida na floresta de
sequóias junto ao rio Russian. Divertiram-se tanto que a repetiram os anos
seguintes.
No início, o terreno era
arrendado. O Bohemian, fundado em São Francisco em 1872 por jornalistas e artistas,
não tinha dinheiro. Mas os grandes empresários foram dominando o clube e, em
1893, compraram terrenos para o encontro anual. O regulamento exige que 10% dos
membros trabalhe em artes e alguns são convidados, mas o ingresso continua a
ser exclusivo. A inscrição custa 20 mil euros e a quota anual 4 mil. Ainda
assim, a fila de espera é de 15 anos.
fonte: Sábado
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