Estima-se que até final deste ano o Departamento de Estado norte-americano gaste cerca de 70 milhões de dólares neste tipo de iniciativas
A Administração Obama pôs em marcha um esforço internacional de criação de “redes-fantasma” de Internet e sistemas alternativos de telefonia móvel que os dissidentes possam usar para contornarem os regimes ditatoriais e censórios.
De acordo com o “The New York Times” - que avança esta notícia depois de ter levado a cabo dezenas de entrevistas e após o acesso a alguns documentos diplomáticos secretos -, este esforço americano estende-se por vários programas que não variando de escala, de custo e de sofisticação.
Estima-se que até final deste ano o Departamento de Estado norte-americano gaste cerca de 70 milhões de dólares neste tipo de iniciativas, de acordo com dados do próprio departamento citados pelo jornal norte-americano.
Um dos programas, por exemplo, gira em torno da criação de redes de telemóvel independentes em países estrangeiros, nomeadamente no Afeganistão. Os EUA já terão gastado pelo menos 50 milhões de dólares na criação de uma rede independente para telemóveis usando torres em bases protegidas pelos militares. O objectivo é impedir que os taliban usem as infra-estruturas do país, que aparentemente conseguem usar em seu benefício sempre que queiram, deixando enormes fatias da população sem acesso às redes de telemóvel.
Outro programa é conhecido pelo nome de “Internet numa mala” e está a ser desenvolvido por programadores e antigos hackers a partir de um quinto andar da Rua L em Washington.
Financiado em dois milhões de euros pelo Departamento de Estado norte-americano, este programa “Internet numa mala” poderia facilmente ser introduzido em países que aplicam uma apertada censura à Internet e permitir comunicações sem fios a uma área alargada com uma ligação directa à Internet global, sem passar pela rede do país censório.
Este projecto da “mala” poderá transformar aparelhos como telemóveis e computadores pessoais em instrumentos de criação de uma rede invisível sem fios e sem um ponto centralizador. Por outras palavras, ficheiros como uma fotografia e um vídeo de um activista a ser espancado pelas forças do regime, por exemplo, poderiam ser partilhados directamente entre estes aparelhos modificados - cada um deles actuando como uma “torre” e um telefone - e contornar assim a rede oficial.
Cada “mala” estaria equipada com pequenas antenas sem fios que ajudariam a aumentar a área de cobertura da rede; CD’s para espalhar o software por mais dispositivos e outros materiais como cabos Ethernet.
Sistemas como este permitiriam a comunicação entre activistas em países como o Irão, a Síria e a Líbia, de acordo com vários participantes nestes projectos, citados pelo NY Times.
Este esforço tem vindo a fazer cada vez mais sentido desde que o ex-Presidente egípcio Hosni Mubarak “desligou” a Internet no Egipto nos dias que antecederam a queda do seu regime.
Mais recentemente, o governo sírio também desactivou temporariamente a Internet no país. A mesma que estava a ajudar à mobilização dos activistas.
É bem conhecido o papel jogado pela Internet e pelas redes sociais no movimento da Primavera Árabe, que conduziu até agora à queda dos regimes ditatoriais tunisino e egípcio.
Esta iniciativa da Administração Obama é, em certa medida, uma fronteira avançada da diplomacia nacional que luta pela democracia, pela liberdade de expressão e pelos direitos humanos.
Durante décadas, os EUA enviaram locutores e jornalistas para países autocráticos através do programa Voice of America. Mais recentemente, Washington apoiou a criação de software que preserva o anonimato de activistas em locais como a China e tem treinado cidadãos que queiram passar informações através da Internet censurada sem serem apanhados.
Estas iniciativas encontraram uma defensora na secretária de Estado da Defesa, Hillary Rodham Clinton, cujo departamento supervisiona este tipo de programas: “Vemos mais e mais pessoas em todo o mundo a usarem a Internet, os telefones móveis e outras tecnologias para fazerem as suas vozes serem ouvidas ao protestarem contra a injustiça e ao tentarem concretizar as suas aspirações”, disse Clinton num e-mail enviado ao “The New York Times”. “Há uma oportunidade histórica para se dar uma mudança positiva, mudança essa que a América apoia (...) Por isso estamos concentrados em ajudá-los [aos activistas] a fazer isso, em ajudá-los a falarem uns com os outros, com as suas comunidades, com os seus governos e ao Mundo”, disse ainda a secretária de Estado.Mas alguns analistas consideram que esta posição dos EUA é delicada. O país sempre tentou enquadrar este tipo de iniciativas no âmbito dos direitos humanos e da liberdade de expressão, mas de acordo com alguns especialistas em Internet e nos media social, como por exemplo Clay Shirky, professor assistente na Universidade de Nova Iorque, não é possível dizerem-se coisas como: “Tudo o que queremos é que as pessoas possam dizer o que pensam; e não deitar abaixo regimes autocráticos”. “Isto é uma e a mesma coisa”, sublinhou o professor.
Clay Shirky disse ainda que os Estados Unidos correm o risco de serem acusados de hipocrisia se o Departamento de Estado mantiver o seu apoio - tácito ou de outra natureza - a governos autocráticos como da Arábia Saudita e do Bahrain, ao mesmo tempo que enviam para lá tecnologia que retira poder a esses governos.
fonte: Público
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