RELÓGIO DO APOCALIPSE

domingo, 25 de setembro de 2011

História da primeira mulher condenada à morte no seculo XXI


Asia Bibi, uma cristã paquistanesa, é a primeira mulher condenada à morte no século XXI. A jornalista Anne-Isabelle Tollet conta a sua história.

Estava-se em meados de Junho de 2009 e, no Punjab, faziam 45ºC. Asia Bibi trabalhava no campo para sustentar os seus cinco filhos. Fez uma pausa para matar a sede quando algumas mulheres muçulmanas a acusaram de contaminar a água do poço por ser cristã. Insultada, ripostou: «O que fez o vosso profeta para salvar os homens?». Foi o suficiente para desencadear a fúria dos aldeãos.

No dia seguinte Asia foi declarada culpada e presa por blasfémia. Em Novembro de 2010, quando o marido já preparava uma festa para a receber, a setença de pena capital por enforcamento era confirmada.

Dois homens que assumiram a causa de Asia Bibi acabaram mortos pelos radicais: o ministro das minorias Shahbaz Bahtti (dois dias depois de se ter encontrado com Hillary Clinton) e o governador do Punjab, Salman Taseer, assassinado pelo seu próprio guarda-costas com 25 tiros. Asia teve esperança de receber um indulto presidencial, que nunca chegou, e teve uma rara alegria ao saber que o Papa Bento XVI havia chamado a atenção para o seu caso na Praça de S. Pedro do Vaticano.

Anne-Isabelle Tollet é jornalista do canal France 24. Esteve na guerra do Kosovo, no Afeganistão e no Sudeste asiático depois do tsunami de 2004. Foi para o Paquistão como repórter em 2008 e regressou em Junho último. Há dois anos tomou conhecimento da história de Asia Bibi através do amigo Shahbaz Bhatti, entretanto assassinado. Agora decidiu contá-la ao mundo através do livro Blasfémia (Alêtheia). O SOL entrevistou-a em Lisboa.

Por que aceitou o convite para ir trabalhar para um país perigoso como o Paquistão?

Achei que era uma grande oportunidade. Penso que os dois países mais importantes neste momento para os jornalistas são o Paquistão e o Afeganistão.

Como mulher a viver no Paquistão lidou com o tipo de problemas que as mulheres enfrentam nas sociedades muçulmanas?

Na verdade isso facilitou as coisas. Como mulher pude encontrar-me e falar com mulheres paquistanesas, o que é impossível para um homem. E essa é uma perspectiva muito importante para compreender o país. Em segundo lugar, os muçulmanos têm medo das mulheres, em particular das ocidentais. Não queriam ter de lidar comigo. Por vezes era mais fácil para mim passar num posto de controlo. Os militares não queriam falar comigo, por isso fingiam que nem me viam. Outras vezes pude esconder-me debaixo de uma burca ou de um niqab.

Usou-os?

Usei, quando entrava numa área tribal, em Peshawar ou no vale de Swat. Mas era raro. Normalmente punha apenas um shalwar kameez e em Islamabad punha um lenço na cabeça, como Benazir Bhuto.

Segundo o seu livro, as palavras de Asia Bibi foram: «O que fez o vosso profeta para salvar os homens?». Tem a certeza de que ela não disse nada mais grave?

Tenho a certeza. Antes de escrever o livro pedi-lhe, através do marido, que era quem a visitava na prisão, que me dissesse exactamente a verdade. Eles confiaram em mim e contaram-me tudo. Disso tenho a certeza absoluta. Além disso, também entrevistei a mulher muçulmana que a acusou e ela confirmou a história.

Que tribunal decidiu isso?

Um tribunal regional. O juiz foi muito pressionado. Estava lá a aldeia em peso a exigir a pena de morte. Se o juiz não decidisse pela pena de morte seria provavelmente morto. Agora estamos à espera de um novo julgamento em Lahore, no Supremo.

Vai assistir?

Não é boa ideia. Agora eu também sou considerada blasfema. Duas outras pessoas que apoiaram Asia Bibi foram mortas. Não posso voltar ao Paquistão.

Alguma vez se encontrou com Asia Bibi?


Não, foi impossível. Pedi muitas vezes, mas as autoridades não querem que os jornalistas, muito menos uma jornalista estrangeira, falem sobre este caso. Não traz boa publicidade para o Paquistão.

Falava com ela através do marido.

Sim, e ele fazia as minhas perguntas à mulher.

O marido gravava as conversas?

Não, ele não podia ter nada durante a visita, nem mesmo um telefone. Por isso todas as semanas eu ia para a frente da prisão esperar pelas minhas respostas, para ter a certeza de que ele não se esquecia das palavras exactas.

fonte: Sol

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