Deputados europeus mostram cartazes durante a votação (Foto: Frederick Florin/AFP)
O
Acordo Comercial Anticontrafacção (ACTA) foi chumbado nesta quarta-feira, em
sessão plenária, pelo Parlamento Europeu (PE), em Estrasburgo.
Esta
era o desfecho esperado para esta votação em plenário, depois de este acordo já
ter sido anteriormente rejeitado por quatro comissões do PE, a última das quais
pela Comissão do Comércio Internacional do Parlamento Europeu, no passado dia
21 de Junho.
Esta
foi a primeira vez que o Parlamento exerceu o poder de rejeitar um acordo
comercial internacional, um direito previsto no Tratado de Lisboa. Na votação
de hoje, 478 eurodeputados votaram contra, 39 a favor e 165 abstiveram-se.
O
ACTA é um acordo que pretende, entre outros aspectos, uniformizar as medidas de
combate à violação dos direitos de autor a nível mundial e a contrafacção de
forma ampla, desde medicamentos a outros produtos comerciais.
O
acordo foi assinado em Janeiro passado em Tóquio por 22 dos 27 Estados-membros
da UE, incluindo Portugal. A par da UE, o ACTA foi negociado com os Estados
Unidos, Japão, Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Singapura, Coreia do Sul,
Marrocos, México e Suíça.
Duas
organizações portuguesas tinham subscrito o ACTA: a Associação de Editores de
Obras Musicais (AEOM) e a Associação Fonográfica Portuguesa (AFP).
O
PE não tinha poderes para alterar o ACTA (acrescentar-lhe alterações ou propor
emendas, por exemplo), mas apenas para aprovar ou rejeitar o documento.
Uma
vez que não aprovou o documento, o ACTA internacional fica sem efeito no espaço
da UE, embora o Tribunal Europeu de Justiça ainda não tenha dado o seu parecer
sobre este documento. Em Abril, a Comissão Europeia decidiu enviar o texto do
acordo para este tribunal devido a críticas sobre alegadas violações a direitos
fundamentais.
Uma
vitória para a "democracia participativa"
De
acordo com o grupo parlamentar europeu Esquerda Unitária Europeia/Esquerda
Nórdica Verde (GUE/NGL), a votação de hoje constitui "uma vitória para a
democracia participativa".
“Os
cidadãos colocaram as suas esperanças nos eurodeputados para que estes defendessem
os seus interesses contra a Comissão [Europeia] e contra os interesses da
poderosa indústria”, indicou o eurodeputado da coligação GUE/NGL Helmut Scholz.
“O
Comissário [Karel] De Gucht (Comércio) sofreu uma derrota na sua tentativa
equivocada de estender o controlo corporativo à Internet”, acrescentou Scholz.
“Nunca foi tão claro que a Internet é um elemento vital no funcionamento da
democracia europeia. O conceito de lidar com a informação e com o conhecimento
está a mudar e a legislação deveria reflectir isso mesmo ou ser deitada fora”.
O
ACTA é, desde a sua criação, uma proposta muito polémica junto dos grupos que
têm uma visão mais libertária da Internet, já que ao seu abrigo a liberdade
online e os direitos civis poderiam vir a sofrer um duro golpe em nome dos
direitos de propriedade intelectual.
Este
acordo suscitou um movimento sem precedentes por parte de milhares de cidadãos
europeus, que pediram a rejeição do acordo através de manifestações, e-mails e
telefonemas para os eurodeputados. O PE recebeu ainda uma petição assinada por
2,8 milhões de cidadãos de todo o mundo, instando o Parlamento a rejeitar o
acordo.
O
comissário Karel De Gucht já disse entretanto em comunicado que “reconhece” a
escolha feita pelo Parlamento Europeu, mas admite: “Com a rejeição do ACTA, a
necessidade de protegermos a espinha dorsal da economia europeia em todo o
mundo - a nossa inovação, a nossa criatividade, as nossas ideias, a nossa
propriedade intelectual - não irá desaparecer”.
“Saúdo
o debate que o ACTA criou junto dos cidadãos europeus acerca da importância de
pormos fim ao comércio de bens ilegais e contrafeitos e da importância de
protegermos a nossa propriedade intelectual, a bem da economia e do trabalho na
Europa. Acredito que este debate irá continuar - especialmente acerca das
preocupações levantadas no que toca aos direitos de propriedade intelectual no
ambiente digital”, disse o comissário.
Karel
De Gucht afirmou ainda que irá continuar à espera da opinião do Tribunal
Europeu de Justiça. “Os cidadãos europeus levantaram as suas dúvidas e agora
têm o direito de receber as suas respostas. Temos de respeitar esse direito”.O
grupo parlamentar Aliança Progressiva dos Socialistas e Democratas no
Parlamento Europeu (S&D) também já afirmou em comunicado a sua satisfação
por ver o ACTA chumbado em sessão plenária.
David
Martin (Reino Unido) - o eurodeputado britânico responsável por este assunto no
Parlamento - disse após a votação que o ACTA está agora “morto graças ao PE”.
“Estou muito satisfeito por o Parlamento ter seguido as minhas recomendações e
ter rejeitado o ACTA”.
“O
acordo é simplesmente demasiado vago e aberto a interpretações erradas. Eu
serei sempre um defensor das liberdades civis por oposição à protecção dos
direitos de propriedade intelectual na UE”, acrescentou David Martin.
Também
o grupo parlamentar Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa (ALDE) saudou
esta rejeição, que apelida de “acordo ineficaz que coloca as liberdades civis
em risco”.
Guy
Verhofstadt, presidente da ALDE, afirmou que o ACTA “levantou várias
preocupações na sociedade civil e mesmo aqueles que (...) estão a favor dos
direitos de propriedade intelectual ficaram sem saber o que argumentar para
defender este acordo”.
“Este
acordo sofre com o facto que os maiores contrafactores não serem signatários. O
direito à propriedade intelectual merece um tratamento mais rigoroso e é por
isso que a Comissão Europeia deveria reconsiderar a sua abordagem” a este
problema, acrescentou Verhofstadt.
“Oportunidade
perdida”
Pelo
contrário, as indústrias criativas europeias - que lutavam pela aprovação da
ACTA - classificam a votação de hoje como uma “oportunidade perdida pela União
Europeia no sentido de proteger as suas indústrias de base inovadora e criativa
nos mercados internacionais”.
Genericamente,
a rejeição do ACTA é, na opinião da indústria, “prejudicial para a propriedade
intelectual, para o emprego e para a economia”.
“Os
direitos de propriedade intelectual continuam a ser o motor da competitividade
global da Europa e um factor para o crescimento económico e para o emprego. No
cenário económico actual, a protecção destes direitos para além do espaço
europeu é particularmente crucial. A Europa podia ter aproveitado a
oportunidade para apoiar um tratado importante que permitiria elevar os padrões
da propriedade intelectual internacionalmente”, indicou Alan C. Drewsen,
director executivo da International Trademark Association (INTA), uma das
associações signatárias do ACTA, num comunicado genérico assinado pela
indústria e que foi fornecido ao PÚBLICO pela AFP.
Por
seu lado, o secretário-geral da International Federation of Actors (FIA),
Dominick Luquer, afirmou que “o debate acerca do ACTA foi infelizmente balizado
em torno de conceitos como censura e ‘ruptura na Internet’, em vez da protecção
de bases económicas e emprego na Europa”.
Dara
MacGreevy, directora da unidade de antipirataria da ISFE (Interactive Software
Federation of Europe), afirmou por seu lado que “ao contrário de muitas
afirmações proferidas, os direitos individuais fundamentais são totalmente
respeitados pelo ACTA e aguardamos com interesse a opinião do Tribunal de
Justiça a esse respeito”.